Bom dia!           Tera 19/03/2024 07:39
Home > Izacyl Guimarães Ferreira
Izacyl Guimarães Ferreira

Poesias, Poetas, Poemas

João Scortecci o seu trabalho de editor de poesia tem as marcas pessoais do esforço, do estímulo, do sucesso. Como o planejou? O que está planejando?

É verdade. Vejo no meu trabalho marcas do esforço, entusiasmo, dedicação e amor aos livros. Vejo também sorte, muita sorte! Uns chamam isso de estrela, bunda virada para a lua, algo assim. Acabei - ao longo dos anos - construindo uma fábrica de sonhos... que me transformou em um empresário tipo girafa, obrigatoriamente com os pés no chão e a cabeça no mundo da lua. É o meu EU em estado sólido. Vivo isso 24 horas por dia. No início, lá no ano de 1982, quando nasceu a Scortecci, não havia planejamento ou estratégia alguma. Nem poderia. Dizer que sim é falar uma bobagem. Entusiasmo sim! Objetivos e planos somente depois do primeiro ano, quando tinha no catálogo pouco mais de 40 títulos e desejava sobreviver.

Na cabeça coloquei um único sonho: editar, imprimir e comercializar livros em pequenas tiragens. Esse foi, é e será sempre o caminho das pedras e o segredo de sucesso da Scortecci. A minha opção de lucidez. Às vezes erro feio e devoro capim feito jumento - até sapos. Com o tempo descobre-se que o gosto não é tão ruim assim. Melhor engolir e buscar o próximo banquete. Costumo comer com farinha. Dizem - não sei se é verdade - que absorve melhor a gordura e a pobreza de espírito. A Scortecci nasceu do meu amor pelos livros. Isso me parece claro. Sem amor e dinheiro nada funciona no mundo dos justos. Cresci em uma família de leitores e no meio de uma imensa biblioteca. Monteiro Lobato, Machado de Assis, José de Alencar, Fernando Sabino, outros, eram assunto de todas as horas. Meu Pai Luiz Gonzaga adorava coleções e dicionários. Minha mãe Nilce Scortecci as obras completas de Carlos Lacerda. Meu avô José Scortecci foi proprietário da Revista PAN, isso em 1941. Era dele a revista que teve a honra de publicar o texto de estréia "triunfo" de Clarice Lispector. Experiência mesmo de editor quase nenhuma. Aprendi bastante na Presidência do Grupo Poeco (1978-1982), embrião da editora. Deus não veio na calada da noite e me disse no pé do ouvido: Filho, vai ser editor! Isso, infelizmente, não aconteceu. Prefiro achar que tive muita sorte. A oportunidade veio veloz - risco o céu - e eu me agarrei no rabo do cometa com força e garra. Vai ver que estava escrito nas estrelas... Não tenho tantas certezas, opiniões e verdades na ponta da língua. Estou perto dos 50 anos e isso mexe com a minha razão. Passei a gostar também dos fracos, dos medrosos, dos calados, dos feios e dos covardes. Com eles aprendo sempre. Joguei fora o retrovisor dos meus próximos passos. Descobri que também sou amigo do rei.

Que sentido dá aos concursos que realiza? Como os compara com os outros?

Não os comparo. Autor quer ter o seu livro publicado, vender muito e ficar famoso. Nada abaixo disso adoça a boca da cobra mãe. O Prêmio Literário Livraria Asabeça, já no seu terceiro ano, já foi no passado Prêmio Scortecci de Poesia. Mudou apenas de nome. Já devo ter realizado no total uns 10 concursos e publicado mais de 50 antologias. Outro dia dei uma olhada nos números: devo ter publicado mais de 1500 autores em antologias. Gosto muito de organizá-las. Foi assim que um dia me vi poeta. A idéia principal de um concurso é descobrir e revelar novos talentos. Tirá-los da toca. Isso movimenta uma editora e agita o meio literário. Não abro mão de oferecer ao vencedor a edição de um livro. Quem organiza sabe do trabalho imenso que dá. Um exagero de sufoco. Compensa? Claro que sim. Na hora de divulgar o resultado sempre fico de olho nas caras feias que recebo de contra golpe no olhar. Alguns certeiros. Morrer é preciso! Resta-me dizer a título de consolo: hoje quero uma cara muito feliz! Ajuda aliviando a tensão que é de tirar o fôlego. Até que nos últimos anos a coisa ficou mais suave. Hoje tenho colaboradores fiéis, funcionários dedicados, gente que me ajuda e muito. Agradeço sempre. Adoro o jogo da premiação, da seleção, da escolha do vencedor. É com certeza o momento mais importante na vida de um escritor. É a magia do reconhecimento batendo à porta. É a glória! Outro dia li um depoimento da Hilda Hist, que infelizmente veio a falecer no início deste ano, onde ela falava de sua mágoa de não ter sua obra reconhecida pela crítica e pelo grande público. Muito triste. Logo ela que foi uma poeta ímpar. São as derrotas ruins da vida. As inúteis. Nada se aprende com elas. Melhor esquecer e tirar da cabeça do prego.

Como ex-vice-presidente e membro da Câmara Brasileira do Livro, como julga seu passado, como vê seu futuro?

Fui feliz na CBL. Foram 8 anos incríveis! Trabalhei muito e realizei grandes projetos. Aponto dois deles: equilíbrio financeiro da entidade com superávit de caixa e a minha atuação na Comissão Nacional de Incentivo a Cultura, MinC, Área de Humanidades, Lei Rouanet. Na verdade lá na CBL fui um soldado. Fiz essa opção já no primeiro dia quando lá cheguei. Convivi com gente importante do mundo do livro. Fui também Diretor-Adjunto em duas gestões. Ajudei a organizar 4 bienais. Fiz parte da diretoria que comprou a nova sede da entidade. Tenho muito orgulho disso. Perdemos as últimas eleições. Faz parte. No coração a sensação do dever cumprido. Totalmente realizado. Você me pergunta sobre o futuro. Na CBL? Devagar com a sorte. Estou confortável no meu lugar. Não sei até quando. Mas muito confortável.

Como ex-diretor e sócio da União Brasileira de Escritores, o que acha que nos falta para melhor representar-nos?

Pergunta perigosa. Darei uma resposta com o coração. Não vou colocar minhas mágoas na balança. Seria deselegante. A UBE tem jeito. Não é retórica. Quando lá estive lutei muito, mas não consegui mover uma palha sequer. Arranjei tanta briga que tive um colapso nervoso. Minhas idéias eram profissionalizar a entidade. Não encontrei apoio. Até hoje, depois de muitos anos, os problemas são os mesmos. Falta dinheiro, quadros, grandes projetos e muita coragem. Sem isso não se chega a lugar algum. Deixei a diretoria da entidade muito triste e frustrado. Derrotado. Fui incapaz de ajudar. Respeito muito os que lá estão e continuaram na luta. Alguns heróis. Sou sócio da entidade desde 1978. Convivi com Fábio Lucas, Antonio Possidônio Sampaio, Ricardo Ramos, Lygia Fagundes Telles, Antonio Callado, Anna Maria Martins, Ruth Rocha, José Carlos Garbuglio, Ênio Squeff, Caio Porfírio Carneiro, Samuel Penido, Geraldo Pinto Rodrigues e muitos outros, verdadeiros companheiros. Esquecê-los jamais. São ícones na história da entidade. Uma hora vai aparecer um grupo forte, unido, determinado, que vai virar o jogo e levantar a UBE. É o meu desejo. Um dia - se Deus quiser - eu volto. Isso quando eu for somente um poeta desinteressado. Agora na condição de empresário "tubarão" fica difícil. Sei que a minha presença na entidade incomoda alguns companheiros. Eles ainda não perceberam que o segredo está na pluralidade de idéias e ações. Estão na contramão. Se nós, editores, livreiros, gráficos, distribuidores, governo, e outros, somos os verdadeiros inimigos do escritor - é o que muitos dizem e acham - nada melhor do que nos ter por perto, em vigília e tocaia. Dias melhores virão. Tenho certeza absoluta disso. O que nos falta? Profissionalizar a entidade. Urgente! Sair do armário. Colocar a cara para bater. Respondi? Até lá ajudo não atrapalhando o sacrifício de poucos.

Você foi conselheiro do Ministério da Cultura. Avalie o cenário atual?

Fui. Hoje sou um suplente. Um reserva. Não participo mais ativamente com antes e no início. Viajei tanto que fiquei com trauma de avião. Meu trabalho termina, definitivamente, em abril de 2006. Já estão convocando as entidades que indicam os conselheiros. Estou na CNIC desde 1997. Foi a minha experiência de governo mais valiosa. O Gil tem sido uma surpresa boa. Mesmo depois do que aconteceu no seu Ministério e ainda está por acontecer. É o que fofocam...Tenho certeza que ele vai superar tudo e voltar com força total. Não desista Gil! Força! Antes não gostava dele. Antipatia quase que total. Hoje tenho admiração e muito respeito pelo trabalho que ele vem desenvolvendo. Se sair será uma grande perda. Ele me conquistou sem dor. Teremos muitas mudanças na Lei Rouanet. Estarei atento e disposto a colaborar. Algumas centenas de projetos passaram por mim. Aprendi muito e hoje tenho uma opinião interessante sobre a Lei. Resta saber se vão ou não me chamar.

E o poeta João Scortecci? Diga o que acha da poesia que se faz no Brasil hoje. Fale sobre seus escritos: intenções, projetos.

O João poeta também é agitadíssimo. Sou naturalmente um sujeito ansioso, agitado, cheio de manias, rápido e muito feroz. Quando estou delirando a coisa pega feio. Fico insuportável. Minha doçura vai para o espaço. Paciência zero. Quem me conhece sabe como lidar comigo. Estou escrevendo um novo livro. Chama-se A Poesia das Idéias. Inicialmente era para a bienal do livro de 2004. Não sei se até lá termino. Acho que não. Está travado. Aguardo aquele traço mágico de lucidez. Já fechei as gavetas, os armários, já lambi o chão, já dormi de janela aberta e até agora o encanto não veio. Resta esperar. Você me pergunta sobre a poesia de hoje. Ela mudou muito quando comparada com a que fazíamos nos anos 70. Isso todo mundo já sabe. Vejo hoje vários movimentos brotando aqui e acolá. Grupos. É assim que a coisa começa. Lentidão progressiva e explosiva. Sinto também um ar de liberdade maior. Menos engajamento filosófico, coisa desse tipo. Isso é muito bom. Que ela - a poesia - continue indomável. É o que sempre espero. Cumplicidade e traição crítica. Nada melhor que um verso perigoso escapulindo de uma boca no cio. Quando a gente menos espera surge um bom poeta e com ele mais uma legião de sopros. É assim que se faz uma ventania. Um tufão. Um furacão. É isso ai. Já falei muito. Se continuar sou capaz de reler tudo e desautorizar a entrevista. Não gosto muito de ficar passando cerol na linha. Prefiro arrepiar a pipa e lancear. Prefiro o vôo rasante que o papocar da linha e do barulho do carretel solto entre os dedos do destino. Questão de gosto. Questão de sorte.

Izacyl Guimarães Ferreira