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O Fabricante de Sonhos

Almanaque Santo Antônio – ano 1999
Editora Vozes – págs. 202 a 204 - Maria Thereza Cavalheiro


Homenagem Especial a João Scortecci – O Fabricante de Sonhos!

Sua vida é febricitante, mas, apesar de tudo, declara: “há um silêncio que mora dentro de mim”. De onde o tema de um de seus últimos livros de poesia. Trabalha de quatorze a dezesseis horas por dia, mas ainda consegue fazer versos e escrever livros para a área infanto-juvenil. João Scortecci, administrador de empresas, escritor de sucesso e empresário bem sucedido na área editorial, admite ter vindo ao mundo também com uma missão relativa aos livros...dos outros. E para isso teve um chamado, em sua terra natal, o Ceará, aos quinze anos de idade.

Conta-nos emocionado: - No dia 24 de novembro de 1971 estava em meu quarto, em Fortaleza, quando senti um grande impulso de escrever. Notei, perto de mim, uma luz muito forte, que me fez abrir um caderno e nele fazer várias anotações. Senti que estava surgindo para mim um compromisso imenso de escrever e de publicar o que estava escrevendo. Foi quando me apaixonei pelo livro. Essa paixão surgiu de repente, quando essa luz invadiu o ambiente e visualizei a trilha que teria de seguir: trabalhar pelo livro. Mas não só trabalhar pelos meus próprios livros, mas de ser solidário com outras pessoas em relação às suas obras. Não identifiquei essa luz de pronto, mas fui acometido de uma revelação. E senti uma paz interna muito grande, porque vi que havia encontrado o meu caminho, eu havia encontrado Deus. Até então, Deus não estava em minhas preocupações, e nesse dia eu O descobri. Recebi sua resposta e, daí para a frente, toda a minha vida foi orientada nesse sentido, tudo foi-me levado para cumprir o meu destino.

No ano seguinte João Scortecci veio para São Paulo, e, dez anos depois, abriu sua editora. Teve, então, no jornalista e escritor Tavares de Miranda um grande incentivador. Conta que os primeiros anos foram difíceis: - Certa vez me apareceu no escritório um senhor trazendo-me um original com textos de pessoas desencarnadas e solicitando que eu o publicasse. E esse senhor vaticinou que eu, no decorrer de minha vida, iria receber outros livros de escritores que já haviam morrido, trazidos por seus parentes e amigos, para publicação. Curiosamente, isso se repete até hoje. E, de início, quando lutávamos com grandes dificuldades com a Editora, foram justamente esses livros que asseguraram a renda da empresa nos momentos mais difíceis. Como se Deus fizesse uso dessas obras para manter viva a memória de muitos que se foram, e para nos ajudar. E é uma incumbência que recebo dentro do coração, como orientação divina. E frisa: - Muitas pessoas que nos procuram o fazem porque precisam. Milagre não dá para fazer, mas dificilmente temos dito um “não”. A João Scortecci Editora já passou dos seus quinze anos de existência, com dois mil e quinhentos títulos publicados em primeira edição até 1997. Nosso ritmo de produção é de um livro a cada dia útil. Eu nunca interfiro nos textos; alguns são tão reservados que nem os leio. Sinto-me apenas um instrumento do processo.

A maioria dos livros que publica são de Poesia, e João Scortecci banca também a edição de muitas obras, como estímulo a novos e homenagem a antigos escritores. Já editou mais de cinquenta antologias, da própria Scortecci, a maioria organizada por ele pessoalmente. Observa: - Precisamos estar preparados para o maior boom de Poesia na virada do Século. A Poesia vai estourar, pelo seu poder de comunicação, rápido, objetivo. É a flor que vai nascer do concreto. Mesmo deste mundo eletrônico, materialista, vão surgir novas trilhas, através da Música, do Teatro, da Dança, da Literatura. E a Literatura vai ganhar força. Principalmente o haicai e a trova, pela sua brevidade, vão aumentar sua penetração. E nós estamos dentro desse processo. Nunca uma empresa alternativa, independente, conseguiu realizar um trabalho nos moldes em que fazemos. Estamos cumprindo a nossa parte, como aquele passarinho que levava no bico um pingo de água para apagar um incêndio. Oxalá existissem no mundo milhares de passarinhos com o mesmo objetivo: apagar incêndios.

João Scortecci é autor de vários livros de Poesia, entre outros: A Morte e o Corpo, O Eu de Mim, Água e Sal (Fragmentos de Tempo algum), Plurais (A tentação de Plural), Luanda (Uma Bailarina Morta), Poema do Deus que cria versos. Na Linha do Cerol é um livro de reminiscências de sua infância, quando brincava no vale do Rio Pajeú. E é também na literatura infanto-juvenil que João Scortecci comprova seu talento, com uma série de livros que encantam e educam, como O Touro de Ouro, A História do Peixe-Voador, A Pulga Elétrica e a Realidade Virtual (As Aventuras de Olga) estes em prosa.

Muitos são os louvores que sua obra vem recebendo, como, por exemplo, dos escritores Fábio Lucas, Samuel Penido, Caio Porfírio Carneiro, José Antônio Riani, R. Leontino Filho...

“Como reconhecimento de sua atuação em favor do livro e da cultura no Brasil” João Scortecci recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, atribuído a Canteiro de Obras, da poeta Ilka Brunilde Laurito, em 1987. Recebeu ainda dois prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte, Melhor Livro de Poesia – Revelação – atribuídos a Paulo Sampaio, por Memorial de Inverno, em 1991, e a Francisco de Oliveira Carvalho, por O Tecedor da Trama, em 1992, todos com selo da Scortecci.

João Scortecci é também conselheiro titular da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – CNIC, do Ministério da Cultura – MinC, onde responde pela área de Humanidades, e uma vez por mês vai a Brasília, onde permanece alguns dias para análise de projetos para a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Diretor-Adjunto da Câmara Brasileira do Livro, vem participando, ainda, de várias diretorias da União Brasileira de Escritores. Teve atuação marcante, em 1997, na 15ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Declara-se feliz nessa “caminhada pelas estrelas da palavra”. Já pensou em desistir, mas “a paixão pelo livro falou mais alto”. Considera que às vezes é “melhor ficar calado e curtir o gosto silencioso da vida em movimento”. Não se arrepende “de ter ficado íntegro” à frente de sua “fábrica de sonhos”. “Vez por outra, gosto de sonhar em ser poeta” – diz ele. João Scortecci é um sonhador, que também ter prazer em realizar sonhos alheios.

Maria Thereza Cavalheiro