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30 anos do Divórcio no Brasil

Jornal O POVO - Julho de 1977 - Amanda Queirós

O quarto presidente da Ditadura Militar Ernesto Geisel dava início ao processo de abertura política do País. Na esteira da distensão, uma batalha antiga do movimento feminista chega ao fim. A Lei do Divórcio é aprovada na Câmara dos Deputados, em Brasília. Até então, o máximo que se conseguia era a separação. Tudo bem pedir o desquite, mas não era permitido um segundo casamento, pelo menos não um de papel passado, registrado juridicamente.

O primeiro divórcio realizado em Fortaleza, em janeiro de 78, serviu justamente para resolver esse impasse. O então vereador Gutemberg Braun estava separado há anos de sua primeira esposa, Emilia Medeiros, e vivia com Maria Consuelo já há algum tempo. Queria casar com ela. Quando a lei, aprovada em julho, foi oficialmente publicada em dezembro de 77, se apressou em dar entrada no seu divórcio. Além de querer casar, ele queria ser pioneiro, lembra uma das filhas do primeiro casamento, Sylvia Helena Braun, 62.

Quem aceitou o desafio foi a advogada Nilce Scortecci de Paula, feminista até debaixo d’água, nas palavras do filho editor de livros em São Paulo, João Scortecci. "Nenhum advogado queria se meter a fazer divórcio porque a sociedade criticava muito, a Igreja não aceitava" lembra João Scortecci.

Na prática, a lei do divórcio não diminuiu o preconceito da época, especialmente com as divorciadas. Poucas mulheres enfrentavam publicamente o fracasso de um casamento. Preferiam manter a relação, mesmo infelizes.

Vergonha

Pedir divórcio como? As mulheres tinham vergonha e não trabalhavam, não tinham independência. Tinham era muitos filhos, diz a defensora pública Mônica Barroso, que advogou para mulheres durante 20 anos. Quando Guntemberg e Emilia se separaram, as famílias reagiram mal. No primeiro momento, houve discriminação mesmo. Minha mãe era de uma família tradicional, cristã. Mas eles eram muito livres, seguiram suas vidas e aquilo ficou pra trás, diz Sylvia.

Gutemberg viveu com Consuelo até morrer de um câncer em 1983, com 62 anos. Ela se foi alguns anos depois. Emilia também se casou novamente e teve mais duas filhas. Morreu no dia 11 de julho, aos 82 anos. José Fiúza Gomes ficou viúvo. Não me lembro de ser discriminada na escola. Não dava espaço para brincadeiras. Meus pais encararam tudo com dignidade. Eu e meus irmãos também, diz Sylvia.

Há quem diga que o fato de Geisel ser protestante ajudou na aprovação da lei. A Igreja católica era a mais ferrenha adversária do divórcio. A advogada Mônica Barroso concorda em parte. Realmente o Estado sempre respeitou muito a Igreja, mesmo sendo laico, mas a articulação política das mulheres, a pressão do senador Nelson Carneiro (autor do projeto de lei) e o momento da abertura tiveram muito mais peso que o protestantismo de Geisel.

A conquista do direito ao divórcio foi um choque cultural. Ali a figura do homem como chefe de família começou a ruir. A estrutura familiar ganhou novos formatos. Quem não acertou de primeira, ganhou a chance de continuar atrás da felicidade.

Gutemberg Braun e Emilia Medeiros ficaram juntos por 10 anos e tiveram cinco filhos. Ele foi goleiro do Ceará Sporting Clube e vereador de Fortaleza por diversas vezes. Ajudou a construir o bairro da Aerolândia, adorava Carnaval, era alegre e não tinha preconceitos. Ela foi funcionária pública e artista plástica.

A paulista Nilce Scortecci de Paula se formou em Direito depois de criar os filhos. Morando em Fortaleza, foi para São Paulo participar do Movimento das Diretas Já, que pedia o voto direto para a eleição do presidente. "Ela foi uma mulher a frente do seu tempo. Criou eu e meus irmãos, meninos e meninas, de forma igual. Há 40 anos isso pesava muito. Trabalhou até falecer", conclui João Scortecci.

Nilce Scortecci de Paula morreu em 2003 de um câncer no cérebro. Tinha 76 anos.

O tempo médio transcorrido entre a data do casamento e a da separação judicial é de 12,1 anos.

No Brasil, o número de divórcios cresceu 15,5% em 2005 em relação ao ano anterior. O número de separações cresceu 7,4%.

A taxa de separações judiciais em 2005 foi de 0,9% no País, considerando um universo de mil habitantes de 20 anos pra cima.

A de divórcio atingiu 1,3%, a maior taxa dos últimos 10 anos.

No Ceará, a taxa foi de 0,9%. Brasília teve a maior taxa, 2,9%. Maranhão, a menor, 0,5%.

Para pedir a separação amigável, o casamento precisa ter mais de dois anos. "É o tempo da crise 'cai a ficha'. O casal vê que casamento não é o que Hollywood mostra", brinca Mônica Barroso. A separação litigiosa, quando uma das partes quer e a outra não, pode ser pedida a qualquer momento.

É obrigação do juiz tentar a conciliação do casal na primeira audiência.

Depois de um ano de separação conjugal é feita a conversão para o divórcio. A partir daí, os ex-cônjuges podem se casar novamente se quiserem.

A Lei 8.917, de dezembro de 1994, estabelece os mesmos direitos existentes entre cônjuges para companheiros que vivem uma união estável há mais de cinco anos. "Nunca dei tanta palestra na minha vida como na época da publicação dessa lei. Os homens ficaram apavorados", ri Mônica.

Desde janeiro deste ano, separações e divórcios consensuais podem ser realizados no cartório. Saindo do Judiciário, o casal ganha tempo porque não depende de audiência com juiz e ainda economiza dinheiro. Há ressalvas. Separações que envolvem guarda de filhos e divisão de bens só podem ser feitas num fórum. A Lei é a 11.441.

Curiosidades

O divórcio foi aprovado com 226 votos a favor e 159 contra. Foram 14 votos a mais do que o necessário para a aprovação.

"Caravanas de várias partes do País juntam-se à população brasiliense nas comemorações pela integração do divórcio à Constituição Brasileira. Na parte da manhã, enquanto a emenda estava sendo votada, chegou a ser registrado um engarrafamento gigante na praça dos Três Poderes", registrava O POVO na edição de 28 de julho de 1977.

Durante a votação, Ublado Berem, deputado da Arena de MG, tentou obrigar sua mulher a descer da galeria. Ela se recusou, queria aumentar a torcida em favor do divórcio. Ele votou contra e levou vaia, inclusive da esposa.

O Brasil aprovou a Lei do Divórcio antes dos vizinhos Chile, Argentina, Colômbia e Paraguai.

Amanda Queirós


NILCE SCORTECCI DE PAULA

Professora, Advogada e Escritora. 

Nasceu no dia 21 de junho de 1927 em Dois Córregos, interior de São Paulo e faleceu em São Paulo, Capital, no dia 24 de setembro de 2003. 

Livros publicados: SENTIMENTOS IDOS E VIVIDOS, MAGIA DA PALAVRA e REINÍCIO, todos pela Scortecci Editora.